“É que no final das contas, mesmo quando não dá pra mudar a paisagem, ainda é possível escolher o enquadramento, é só uma questão de janela”
(Luciana do contando e recontando)
E hoje desde que os olhos perceberam a claridade do dia ela optou pela janela da leveza, talvez não durasse muito, conhecia a força da correnteza dos dias, mas hoje queria mesmo era viagem de vento. Nada naquele lugar lembrava o “seu” lugar, o seu sempre lugar... o seu eterno lugar. Mas como decidiu abrir janelas e olhar pra elas e forçar um novo vento, precisava então se despedaçar da não realidade e sentir. Sentir o que sua imaginação queria lhe dizer. Primeiro passo, acordar mais cedo para ter um tempo maior de introspecção. Foi ao encontro de água, para beber e para ajuda lá a retirar um ar de cara amassada e de sonho. Só desligou a torneira quando toda ela sorriu, com o refresco e com a ternura que o barulhinho fazia ao encontrar-se com o ralo. (seu maior desafio, perceber aquilo que a multidão não viu). Voltou correndo com o tempinho pequeno de esperança que ainda lhe restava e foi para janela. Debruçada. Achou um colo em seu próprio ombro. Piscava devagar. Tinha uma alma desejosa. Existia uma saudade desumana, e esta fazia parte do seu olhar. Como uma colecionadora de pequenos e-ventos, aquele ar que sentia não era comum. Com os olhos fechados, buscava como uma desbravadora em sua memória algo que lhe fosse congruente em meio as suas experiências, e nada. Sentiu cheiro. OPA, era mais uma informação para a busca permanecer... olhou olhou abriu tantas gavetas, e se deu conta de uma caixinha no final da cômoda, abriu e deu de cara com um sorriso branco com risquinhos de cobre... Naquele acontecimento viu um e-vento daqueles que são colecionáveis e retribuiu o sorriso. Nesse mesmo instante, ouviu um barulho e, por fim, entendeu: o ruído baixinho que parecia ser do vento dançando com seus cabelos, era na verdade o som dos pêlos levantando em arrepio. Um coração pressente e tem certeza quando encontra sua outra casa, isso agora ela podia contar. Sorrisos escapuliam pelos cantos da boca, agora ela tinha feito do corpo uma casa clara. Numa manhã que era mesmo feito as outras (para os outros), ela levantou tão leve que seus pés gelados mal sentiam o chão e foi nesse dia que o amor lhe tirou pra dançar (e cantar) na janela. Neste momento ela já sorria sépia, olhando para as mãos e para a caixinha, desejando tocar o lugar, estar lá, estava incompleta, transbordando e então, saudade... Já dizia Guimarães Rosa "as coisas mudam no devagar depressa dos tempos".
Segundo passo foi então abrir mão do resto do dia para permanecer ali, um pote de lembranças havia sido achado em si e era a oportunidade pra reviver algo por dentro, aliás, já fazia tanto tempo... o sorriso branco com olhos de espelho d’água indicavam caminhos que banhavam aquela ilha interior. Antes o que estava esmiuçado, tornava-se agora um inteiro. E bem assim só pra nós, era como se fosse uma cura. A minha cura. Por isso que valeria a pena largar a rotina dos dias pelo peso da realidade lembrada. Embora houvesse um inverno interno, as lembranças tuas me esquentavam tal como lã e eu poderia até sentir as primeiras raízes das margaridas nascendo pelo meu sorriso... e esse é um dos meus maiores orgulhos quando lembro de ti, renasce-me confiança.
Estava com o pé no terceiro passo das emoções quando sente um tapar de olhos junto a um clarão e tudo silencia... ei, tem garoa mas a sensação é de sol... A grande vontade de correr, de rir sem parar e a tontura de não acreditar que poderia estar mesmo no sempre lugar com aquele olhar. As mãos correm pelo rosto e param na cintura e o ambiente diz “agora você já pode olhar”... ela tinha certeza, com toda certeza que é necessária bem vinda e somada. Estava ali, e acompanhada. Algo explodia de fora pra dentro de cima pra baixo de dentro pra fora de baixo pra cima... Ao sentir o cheiro de treliça e de ferro do século XIX, e não sabia ainda se queria ficar no primeiro andar, subir ao segundo ou se ousaria pela segunda vez chegar até o terceiro (onde ninguém vai)... pra quem conhece a história e ama como eu, não... não, como eu não... ninguém teria amor assim, o que nos envolve é algo maior pra nivelar comunitariamente, era ele meu Paris. E logo entendo seu olhar e vou andando mesmo para Château des Ducs de Bretagne!!! Já posso sentir o gramado verde, não êxito e arranco as sandálias que protegiam meus pés, eu estava novamente ali. Corro ao encontro da árvore que plantamos, está num tamanho bom que indica seu ótimo desenvolvimento, isso me dá alegria, nossa marca no mundo. Queria sustentar isso com mel e gotas de prata no caminho reto que insistíamos em contar até oito, os oito tempos de nossa valsa, e o dedilhar em alguma coisa... as notas das promessas que quase sempre foram cumpridas. Exigíamos um cuidado com elas pois as vezes machucavam como tempestade em dia de verão, que são perigosas e pelas notícias sabíamos que muitas desabrigam.
Sinto chegar, sinto ir... sinto que é hora. Hora de lembrar que meus pés não estão na grama, na verdade não estão pisando em nada, estão pendurados e empoleirados na janela... Paisagens se ofuscam um pouco, percebo então que mais uma artimanha da lembrança com seus planos e encontros relâmpagos, ou o que seja. Mas que sempre seja! Que sempre é, que sempre será. Vivo em mim. É a sua mania de salvar meus dias, mesmo longe entende o quanto eu preciso emergir em mim e achar a ti. Os sorrisos que vou dar, ninguém irá notar, o choro que vai se estender quando a noite chegar vou abafar, ninguém vai perceber eu juro!... só os meus braços, os meus olhos, que sabem a tradução da felicidade que eu sonhei um dia em ter... Esfria o vento e só me preocupo se nessa treliça ficarás bem, e se e quando voltarás... Para invadir minhas reservas e salvar a minha vida com urgência. Renasce-me em sol no peito, de mim que escreve e de você que lê.
Um escrito antigo de Giane Monteiro.